quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

NOITES QUENTES

Fonte: google imagem



FICHA: Uma série em cinco capítulos -

Classificação: Romance e Aventura - TEMA: Homoafetividade

Cap. 1: Sozinha

Todo dia era aquela mesma rotina maçante. Acordava às seis horas. Preparava o lanche para os irmãos. Acordava um, mandava para o banho. Acordava o outro. A mesma coisa. Depois que os dois estavam no colégio - uma escola pública da periferia da cidade, com todos os problemas que uma escola desse tipo tem – era hora de dar duro.

O serviço de moto táxi não era o mais apropriado para uma garota de dezoito anos, mas fora a única coisa que conseguira. Desde que perdera o pai e a mãe em um acidente de trânsito. Rebeca precisou assumir as funções de pai e mãe de seus irmãos caçulas, os gêmeos Paulo e Saulo, de apenas sete anos.

O pai só lhe deixou dívidas. As únicas coisas que ficaram foram a casa onde moravam, que apesar de pequena, era bem confortável, e uma moto, CG de 150 cilindradas. O automóvel da família fora totalmente destruído. Deu perda total. Até que apareceram uns tios com propostas de levá-la para morar em outra cidade. Os gêmeos ficariam um com a velha avó e outro com uma tia.

- Vamos, minha filha, vai ser bom para você espairecer. Sua prima tem tua idade, vocês vão ser amigas.

Rebeca avaliou bem a situação. Não conhecia direito o tio, nem confiava em seus olhares atravessados e demorados em direção dela. A prima da qual ele falava parecia uma esnobe. Estava no grupo da família, mas nunca escrevera uma única palavra. Nem mesmo quando todos os primos espalhados por vários estados lhe fizeram elogios. Além disso, não lhe agradava a ideia de ver seus irmãos separados. Seria outro sofrimento para eles. Por isso, enquanto os tios decidiam por seu destino e pelo valor do imóvel e da moto, já quase fechando negócio entre si, ela anunciou sua decisão:

- Nem eu, nem meus irmãos sairemos daqui. Ninguém vai nos tirar da nossa casa. Eu cuidarei deles.

A velha avó, talvez a mais bem intencionada da história, quase teve um infarto.

- Minha filha, isso é loucura! Onde é que já se viu! Uma moça morar sozinha com dois irmãos pequenos! Como é que vocês vão sobreviver?

Rebeca sentou-se ao lado da velha e pôs-se a acalmá-la. Disse que ficaria tudo bem. Ia dar um jeito. Arrumar um emprego. Não precisava se preocupar. A velha se propôs a morar com ela. Ao que Rebeca agradeceu, pois isso significaria a presença de uma das tias com a qual nunca se dera bem. A mulher vivia enfurnada numa igreja achando o demônio em tudo e em todos.

- Não vovô, eu agradeço; mas realmente não precisa.

Os tios ainda insistiram em vão. Até que saíram aborrecidos.

- Igualzinho a mãe! Oh raça ruim que nosso irmão arranjou para formar uma família. Vai ver, essa ai, nem filha dele é. Minha parte eu fiz, quis ajudar, não aceitou, paciência! Saiu ponderando o tio que intentava levá-la para as bandas de Xinguara.

Depois de dois meses da morte dos pais, sem conseguir um emprego, o jeito foi pegar a moto e rondar pelas ruas da cidade quando os meninos estavam na escola, em busca de uma corrida. Negociou a vaga com um amigo do falecido pai que se desfazia do ponto para ir morar em outra cidade onde arranjara um emprego na sua profissão de mecânico. As pessoas estranharam num primeiro momento. Não era comum aquilo. Alguns não confiavam em ver uma garota magrela e alta pilotando uma moto táxi. Por isso encontrou muita resistência.

Ela precisou trancar a faculdade até as coisas se ajeitarem. Distribuiu contato pelo campus. Fez propaganda de seus serviços e aos poucos ia ganhando uma clientela entre os alunos que ligavam com horários certos. Além desses, havia duas crianças que levava e buscava na escola. Tudo acertado por um valor fixo por mês. O final do ano chegava e o pouco dinheiro que ganhava nas corridas, mal dava para pagar as despesas da casa. Aquele seria o primeiro final de ano que passariam sem seus pais. O único conforto que ela tinha era em saber que aquela situação estava sendo melhor do que ter abandonado seus irmãos e terem ido um para cada canto.

Já não via nenhuma perspectiva de mudar aquela situação. Não possuía uma formação. Não sabia fazer muita coisa. Pelo menos havia tirado a carteira no começo daquele ano, logo que fizera dezoito anos. Isso estava sendo sua salvação.

É verdade que nos contos de fadas muitas coisas podem acontecer em poucos tempos. Situações mágicas que mudam as vidas das pessoas. De repente, um mendigo torna-se possuidor de muitas riquezas. Pessoas desprovidas de qualquer beleza física, por encantamento, tornam-se belas e atraentes. Porém, aquilo ali era a vida real. Rebeca sabia que cada centavo era ganho arriscando sua vida no trânsito, pilotando uma moto. Todos os sinais de vaidade da garota de um ano atrás desaparecera. Há muito tempo que não ia a um salão arrumar os cabelos, pintar as unhas. Essas pequenas coisas que envaidecem as mulheres. Não andava feia, desarrumada; mas a profissão a obrigou a adotar um estilo mais rude. Passava o dia com uma calça Jens surrada, uma blusa de mangas longas, um colete e luvas. Do dinheiro que conseguia ainda precisava tirar o valor para pagar Marcela, a filha da vizinha que cuidava dos irmãos até as dez, inclusive ajudando nas tarefas da escola. Quando Rebeca chegava, ela passava o relatório das peripécias dos garotos enquanto ela se desfazia daquelas roupas suadas. Às vezes, por gentileza, a garota, punha a janta para esquentar, enquanto Rebeca tomava um banho e vinha enrolada numa toalha com cabelos molhados devorar a comida.

- Você não precisa fazer isso, Marcela, já está tarde, pode ir embora, protestava ela sempre.

Ao que a menina respondia que fazia aquilo porque sabia que ela chegava morta de cansada, além disso morava a duas casas dali. Depois que terminava os relatos sobre o dia, Rebeca ia até a porta esperar que Marcela entrasse na sua casa.

Aquela vida dura foi-lhe moldando as feições. O corpo foi ganhando musculatura e o corpo da garota magrela e sem jeito, logo tornou-se uma mulher de corpo atraente. As cantadas vinham aos montes. Tanto dos colegas de profissão quanto dos fregueses que passaram a preferir andar na garupa dequela piloto ao invés de andar atrás de outro homem suado.

No entanto, Rebeca não tivera tempo de conhecer o amor. As sensações de seu corpo eram abafadas na hora do banho. Ou quando acordava à noite se queimando de desejos. Naquela cama de casal, ao lado de seus irmãos. Nessas horas, levantava-se. Sentava no sofá na sala. Buscava entre os contatos de seu telefone alguém que pudesse lhe interessar. Quem sabe um paquera. Alguém com quem dividir um pouco sua angústia. Ninguém que valesse a pena. Os homens que a olhava na rua, pareciam feras famintas. Vivia apavorada. Com medo que a casa pudesse ser invadida por um daqueles homens. Muitos sabiam de situação de órfã de pai e mãe.

Contos de fadas já não existem mais. São histórias de outras épocas. Mas o amor ainda pode existir. E, muitas vezes, vem de onde menos se espera. Foi assim que esse sentimento confuso e inesperado entrou na vida de Rebeca.




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CAPÍTULO 2 - O ENCONTRO

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

A VILA





PRIMEIRO EPSÓDIO

Já passava da meia noite, as ruas estavam desertas e escuras. As casas todas já haviam apagado as luzes. Os postes com suas luzes amarelas, um aceso, outro apagado, pouca iluminação ofereciam. Estávamos já entrando em desespero. O pânico tomava conta de nossa mente.
- Você ouviu isso, Renata?
Disse-me com a voz sussurrada, minha amiga Sthefany.
- Sim, ouvi. Parecia alguma coisa voando. Respondi com a mesma tonalidade na voz.
- Meus deus, disse ela apavorada, o que vamos fazer?
Ficamos as duas, por um instante, abraçadas uma à outra com os olhos fechados sem saber o que fazer. Quando ouvimos novamente as asas batendo. Abaixamos-nos atrás de uma lata de lixo. Um rato que roia alguma coisa no chão correu batendo em garrafas que estavam espalhadas pelo chão. Não pudemos ver o que era, apenas sentimos um vento soprado em nossos rostos e um forte mau cheiro, que não sabíamos dizer o que era, quase nos sufocou.
- Ai, amiga, estou morrendo de medo! Eu disse quase quebrando as costelas de Sthefany de tanto apertar.
Ela passou as mãos em meus cabelos tentando me acalmar.
- Vamos procurar um lugar onde podemos nos esconder. Deve ser a criatura. Já nos localizou, com certeza está querendo nos pegar.
Corremos batendo nas portas das casas para ver se alguém abria. Os cães ladrando alto aumentavam o nosso desespero. Ouvimos o barulho novamente se aproximando, ficamos exprimidas contra uma porta velha de madeira. Sthefany já não disfarçava mais seu medo, começou a chorar. Sabíamos que se a criatura nos encontrasse ali, estaríamos perdidas. Eu bati forte na porta. Gritei pedindo socorro, até que se abriu.
Fomos jogadas para o lado, no chão. A porta foi fechada com uma travanca forte de madeira. Aos poucos fomos percebendo a figura de um homem de barbas longas, trajando calças Jens, calçado em botas pretas com uma blusa branca encardida. Tinha sobre os ombros uma espingarda de cano duplo.
- Mas o que diabos vocês estavam fazendo na rua a essas horas?
A criatura batia fortemente contra a porta e grasnava alto.
- Vocês não sabem do perigo? Agora atraíram essa bruxa até aqui! Quem são vocês, afinal?
Aquele homem parecia tão assustador quanto a fera que batia cada vez mais forte. Ele deu dois disparos contra a porta fazendo a criatura fugir.
Depois de recuperar o fôlego. O homem nos ofereceu um copo de água.
Sthefany explicou-lhe que estávamos em um grupo de amigos viajando de férias pelo Brasil. Nossa intenção era ir de Norte a Sul, depois de Leste a Oeste, cruzando nosso país de uma ponta a outra. Porém, quando chegamos à noite naquela cidadezinha do interior do Pará, tivemos uma surpresa logo na entrada. Uma estranha criatura atacou nosso veículo. Estávamos em um grupo de seis amigos. Apenas nós duas havia escapado. Saímos correndo em desespero. Achávamos que a criatura havia indo embora, mas fomos perseguidas pelo caminho e ali estávamos.
- Então vocês não sabiam da bruxa?
Olhamo-nos por alguns segundos.
- Bruxa? Não. Não sabíamos de nada disso, dissemos quase que juntas.
- Pois essa cidade que vocês entraram é amaldiçoada. Vocês não deviam ter vindo aqui. As pessoas que vêem aqui, nunca, jamais conseguem voltar.
Eu tive que me segurar para não fazer xixi de tanto medo.
- Moço, disse Sthefany com a voz de choro, pelo amor de Deus, não faça esse tipo de brincadeira. Temos que voltar para casa. Nossos amigos foram mortos.
O homem deu uma gargalhada.
- E vocês acham que escaparam?! Riu estrondosamente.
- Sim. Estamos aqui, eu disse sem muita convicção.
O homem balançou a cabeça. Foi até um armário pegou uns biscoitos velhos, sentou-se à mesa e mandou que nos sentássemos.
- Nada disso que vocês estão vendo é real. Tudo isso é só projeção do medo de vocês. Aposto como vocês foram atacadas quando passavam por uma ponte.
- Sim! Falamos juntas, como o senhor sabe?
- É obvio. Sempre é assim. Foram eles quem escaparam, não vocês.
Senti um calafrio tomando conta de mim.
- Foram eles quem escaparam? Como?
O homem parecia gentil agora. Serviu duas xícaras de café e nos ofereceu.
- Tomem um pouco, é bom.
- Como é que alguém consegue tomar café numa hora dessas, moço?
Ele balançou a cabeça. Fez um risinho no canto da boca e disse:
- Vocês não entenderam nada ainda, não é? Mas vão entender. Vão entender. Vou explicar tudo a vocês.