quinta-feira, 29 de março de 2018

A VILA - Segundo Epsódio: Lugar da Noite Sem Fim

Fonte:google imagem
AUTOR: A. L. Queiroz

O homem pôs-se a explicar o que acontecera.
- Esse lugar, onde vocês chegaram, não existe no mundo real. Quer dizer, existir existe, só que é como se fosse uma versão do mal de uma pequena cidade. A essas horas, os corpos de vocês duas devem estar em algum hospital da cidade, numa Unidade de Tratamento Intensivo, que a gente chama de UTI.
Sthefany parecia que ia perfurar meu braço com suas unhas de tanto apertar de medo. Ela tremia mesmo. Eu tentei me controlar para mostrar confiança a ela, ver se ela se acalmava um pouco. Eu havia aprendido que o medo faz aumentar o sofrimento, pois nos faz imaginar como reais coisas que não existem. Mas, confesso que aquela história começou a me sufocar.
O homem, após uma pausa para tomar uma golada de café, fazendo descer garganta abaixo um biscoito velho que mastigava, continuou.
_ Aqui parece um estado entre a vida e a morte. Vocês com certeza vinham observando esse local quando aconteceu o acidente. Tiravam fotos da paisagem pela janela do carro.
_ Sim, achávamos o lugar um pouco esquisito, por isso fazíamos umas selfies só para zuar do lugar.  
O homem fez gestos com as mãos e a boca, como quem diz “Então, foi isso. Não deviam ter feito”.
_ As mentes de vocês, ou seja, a consciência, foram capturadas por essa criatura terrível, vingativa, que chamamos de bruxa. Achamos que é um demônio que escapou de outro lugar e resolver criar aqui, nesse entremeio, o seu reino particular de horrores. Quando os corpos desfalecerem de vez, lá na vida real, suas consciências, isto é, as suas projeções nesse mundo, desaparecerão.
_ E vai para onde?
_ Ah, isso não sabemos ao certo. A gente sempre ouviu falar em céu, inferno; mas ninguém sabe o que isso realmente quer dizer. O certo é que vamos para algum lugar depois daqui.
Houve um perturbador momento de silêncio, quebrado pelo barulho de bater de asas como ouvimos quando estávamos na rua.
O homem olhou-nos confiante e dizendo para não nos preocuparmos, pois a criatura não entraria ali.
Eu quis saber como ele sabia de tudo aquilo.
_ Alguns, disse ele sem alterar um gesto reflexivo parecendo olhar no infinito, possuem visões do mundo anterior, da vida lá fora, o mundo real. As visões são sempre as mesmas. Estamos deitados em uma cama, ligados a vários equipamentos, reconhecemos pessoas ao nosso redor. Quando tentamos fazer contato com essas pessoas, a bruxa nos traga novamente com seu poder maligno e voltamos para onde estávamos. Assim vai indo. Nosso corpo vai ficando fraco, debilitado. Vamos enfraquecendo aqui também. Chega um momento que não aguentamos mais caminhar, nem segurar as coisas. A nossa consciência aqui, é uma projeção de nosso corpo debilitado lá no mundo real. O desaparecimento aqui, acontece quando o corpo morre lá, do outro lado.
De repente, Sthefany caiu rolando no chão segurando fortemente a sua cabeça com as mãos. Eu me joguei por cima dela, desesperada, tentando entender o que acontecia.
_ Ah, eles estão operando o corpo dela. Com certeza ela sofreu traumatismo craniano. Estão, inutilmente, tentando salvá-la. Como eu disse, ninguém consegue sair daqui.
Sthefany gritava e se contorcia.
_ Minha amiga, eu vou te ajudar, se acalme!
O homem mantinha o mesmo ar reflexivo, tragando lentamente seu café que nunca acabava.
_ Não há nada que possamos fazer, minha querida. Se lá no mundo real a cirurgia der certo, ela ficará bem, aqui. Se não der...
_ O que acontece?
_ Se não der certo, ela desaparecerá.
Ela perdia sangue. Muito sangue saia de suas narinas, pelos couro cabeludo. Seu corpo fora ficando frio, gelado. Eu entrei em desespero mais uma vez e comecei a chorar abraçada a minha amiga. Pedi um pano com o qual pudesse limpar o rosto dela. O homem estendeu-me as mãos com algumas toalhas. Parece até que já aguardava meu pedido.
Depois de quase umas três horas, sei lá! Finalmente ela parou de sangrar. Parecia dormindo. Assim ficou por um longo tempo. O homem ensinou-me como usar a velha espingarda. Disse que precisava sair um pouco. Resolver algumas coisas e ir em busca de alguma coisa para comermos. Deu-me alguns lençóis e travesseiros para eu ajeitar Sthefany.
_ Durma, descanse, disse-me com um leve riso no canto da boca.
_ Ainda demora para amanhecer nesse lugar, moço?
Ele havia terminado de por uma capa escura e um chapéu preto.

_ Se demora a amanhecer? Repetiu minha pergunta com um certo ar de deboche. Aqui nunca amanhece, minha querida. Aqui é o lugar da noite eterna. Saiu batendo a porta e gritando para eu colocar a travanca.

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